Navegação Desilha
Livia Flores
Projeto: Fazer uma ou várias travessias de barco entre a ilha do Fundão e a Maré – para 15 a 20 pesoas por viagem, dependendo do barco – saindo do Galpão da Pós-EBA com destino ao Galpão Bela Maré, onde estará ocorrendo o Simpósio Utopias¹ – e vice-versa. Como o trajeto mais curto entre os atracadouros na Ilha e na Maré é, por diversos motivos, de difícil navegação, a travessia compreende a circunavegação parcial da ilha do Fundão e o trajeto a pé entre atracadouros e galpões de um lado e de outro.
Quantos metros separam a Ilha do Fundão do Complexo da Maré? Quantas pontes e viadutos foram construídas para servir ao trânsito viário (nenhuma para pedestres) entre ilha e continente? Quanto esforço se empreendeu para ligar essas duas áreas – ou para separar essas quase-ilhas? O que ali é ilha, o que é continente?
De um lado, algumas pequenas ilhas são aterradas para dar origem à cidade universitária. Embora prevista para ser edificada numa área da Quinta da Boa Vista, na sua implantação na Ilha do Fundão conservam-se os princípios do plano original de Le Corbusier (1936), com contribuições de Lucio Costa: núcleos acadêmicos planejados na forma de cidade funcional. A idéia de cidade-parque destacada do tecido urbano tradicional se mantém. Ilhas de saber, representando a totalidade dos campos de conhecimento humano reunidas sob a pretensão universal despontam autônomas e separadas sobre as antigas ilhas soterradas. Talvez não seja a ilha que convoca a ideia de utopia mas é a própria utopia, qualquer que seja, que assume a feição de ilha, e isso desde Thomas Morus.
Do outro lado, a população que não encontra abrigo no continente avança sobre a água habitando-a na suspensão de suas palafitas. Ainda que hoje desaparecidas, rebaseadas sobre área aterrada, o nome Maré guarda a lembrança da flutuação pela qual o conflito primordial entre água e terra se manifesta na sua forma mais cotidiana e branda, mas não menos perturbadora. Tão perturbadora quanto a própria constituição a partir da exclusão, do desterro, em sua forma de fenômeno social naturalizado. Também no reverso da utopia modernista, os imaginários de criação a partir do zero e de afastamento se encontram.
Como se estabeleceram – e conservaram – os limites de expansão de um lado e do outro? O que significa o fosso físico e geopsíquico que separa Maré e Fundão? Como atravessá-lo? Atravessá-lo palmilhando essa distância de poucas centenas de metros é o pequeno exercício utópico que ora propomos.
¹ Ação realizada no dia 19.5.2016 por ocasião do Simpósio Utopias, proposto e organizado por Alessandra Vannucci e realizado por UFRJ,UNIRIO, Queen’s Mary University, City University London, Cardiff University and Bath Spa University no Galpão Bela Maré, Rio de Janeiro.